PARIS (AFP) - "A literatura é como a cocaína, e a música é como a heroína: a primeira aguça o espírito, a segunda te idiotiza", declara rindo Iggy Pop, lenda viva do rock norte-americano, que acaba de lançar um disco inspirado no romance "A possibilidade de uma ilha", do francês Michel Houellebecq. "A literatura é muito importante para mim. O livro de Houellebecq ilustra coisas que eu tinha em mente em relação ao sexo, à morte e ao sexo oposto", declarou o cantor e compositor, de 62 anos, em entrevista à AFP. "Em minhas obras da juventude já havia muitos ecos de Burroughs, Kerouac e Ginsberg", acrescenta.
O novo álbum de Iggy Pop foi lançado nesta segunda-feira e foi batizado em francês de "Préliminaires". "Toda a intriga do romance é uma preliminar da morte. E, na minha idade, cada ato é uma preliminar da morte: compor ou não, trabalhar ou se divertir, tentar ganhar dinheiro ou liberdade...", afirma o músico. "Faça o que fizer, o relógio continua avançando, e este é um tema muito forte na literatura francesa, por exemplo no existencialismo", declara Iggy Pop. A princípio, 'A Iguana', como é chamado, queria escrever apenas umas poucas músicas para um documentário sobre a filmagem de um filme baseado no livro de Houellebecq, dirigido pelo próprio escritor. O projeto logo se tornou maior, devido à admiração do roqueiro norte-americano pelo romance, no qual clones e seitas aparecem como atores de uma visão pessimista da condição humana.
"Eu me reconheci nessa história de crise dos 50 anos, com fundo de ficção centífica. Havia nela paralelos com a minha vida: eu também tenho cachorros, namoradas, passei temporadas na costa espanhola, e Miami, onde eu moro, recebe convenções de raelianos" (seita na qual o livro se inspira), conta. Por isso, o disco tem a mesma atmosfera de melancolia dos romances de Houellebecq, que pode ser sentida em uma estação balneária em pleno inverno. "Quando li o livro, em sua tradução inglesa, estava em Cabourg (costa da Normandia), era verão mas fazia frio e eu tinha esse tipo de sentimentos", lembra Iggy Pop, cujo verdadeiro nome é James Osterberg.
"Quando escrevi a música, me lembrei dessas impressões e de minhas cenas favoritas...Depois, Michel Houellebecq me disse que essas emoções eram muito fortes na música 'Spanish Coast', e que ele gostava em particular de 'A Machine For Loving', na qual junto música com suas palavras", esclarece o cantor, precurssor do punk nas décadas de 60 e 70 com a banda The Stooges, cujo guitarrista, Ron Asheton, morreu em janeiro deste ano. Mais além da influência de Houellebecq, "Préliminaires" é um disco francófilo. Começa e termina com uma versão em francês de "Les Feuilles Mort", um clásico da canção francesa cuja letra é um poema de Jacques Prévert, e foi ilustrado pela artista franco-iraniana Marjane Satrapi. Iggy Pop emprestou sua voz a um dos personagens de Satrapi na versão em inglês do desenho animado "Persépolis", filme baseado na autobiografia em quadrinhos homônima, e voltará a trabalhar com ela em outro filme em julho, desta vez, com atores de carne e osso.
Fonte: AFP - Internacional / UOL